Não sei se você já parou para refletir sobre o fogo, mas acredito que ele seja um dos elementos mais belos da natureza. Algo que, particularmente, nos seduz é o fato de ele, tecnicamente, não ter forma específica, não possuir uma matéria. Você não consegue controlar o fogo; nosso controle está sobre o combustível, mas o fogo em si é livre. Ele não possui nem mesmo uma cor definida — basicamente, é calor e luz. Sua expressão física está condicionada ao combustível, que fornece energia para gerar a combustão, a qual origina calor e luz. E, quanto mais luz, mais quente; quanto mais quente, mais azulado ele se torna.
Não há segredo. Para haver fogo, é necessário que haja combustão e, claro, combustível. E aqui quero destacar um ponto importante para nossa compreensão da mensagem: a diferença entre as cores do fogo. Para isso, precisamos entender que o fogo é uma reação de combustão, e que as substâncias envolvidas no processo vão determinar sua apresentação visual.
Por via de regra, uma reação de combustão acontece quando um combustível é consumido por um comburente, gerando energia térmica (calor) e luz.
Nesse sentido, temos dois tipos de combustão: a completa e a incompleta. Quando há oxigênio suficiente para consumir o combustível, a reação será completa e produzirá gás carbônico (CO₂) e água (H₂O). Ao contrário, quando a combustão é parcial, ou incompleta, gera monóxido de carbono (CO) e água; ou carbono (C) e água. É isso que explica a formação da fuligem pela chama da vela, que é o carbono, tido como produto da combustão incompleta da parafina. Esse princípio pode ser aplicado em diferentes situações.
Em ambos os casos, o comburente é o oxigênio do ar. Mas os combustíveis são diferentes e demandam quantidades distintas de oxigênio para sua combustão. As combustões incompletas produzem menor energia, o que explica a diferença entre as cores das chamas: a chama amarela, característica da combustão incompleta, é de menor energia; já a chama azul é típica da combustão completa, com maior energia, mais luz e mais calor. Mas agora precisamos sair desse conceito científico, dessa observação natural, e olhar para esses pontos sob uma perspectiva espiritual.
Usando essa comparação dos combustíveis para o fogo, temos dois grandes grupos: os sólidos e os gasosos.
O combustível sólido é o material visível. Podem ser literalmente materiais, mas também podemos considerá-los como ações concretas e exteriores, que se tornam visíveis às pessoas ao nosso redor.
Já o combustível gasoso é aquele que ninguém vê. Ele está presente, mas, ao entrar em reação com o agente comburente, só temos consciência de sua existência por conta da luz e do calor que proporciona.
Pensando espiritualmente, vale a pergunta: o que seria o comburente?
O comburente é a presença de Deus. É o “oxigênio” do fogo espiritual. Sem a presença d’Ele, não há fogo. Como o apóstolo Paulo descreve na primeira carta aos Coríntios 13, sem amor — o Amor — nada tem valor.
Essas reações à presença de Deus, além de calor e luz, também podem produzir subprodutos, como a fuligem, o odor — manifestações indiretas da combustão que deixam resquícios, marcas de que houve fogo. Isso pode ser bom ou ruim.
Por exemplo, a fragrância do perfume derramado por Maria é um bom subproduto de um coração em chamas, que queimou algo de valor. Outro exemplo são as lágrimas amargas de Pedro após o canto do galo — um subproduto de um coração queimando em arrependimento.
Já a combustão gasosa não deixa rastros. Nada sobra. Por vezes, ninguém sabe que havia ali um combustível; só se vê a luz e se sente o calor, mas nem se sabe direito de onde vieram. E aqui chegamos à natureza do fogo que purifica o nosso coração.
Esse fogo é fruto de um combustível que, muitas vezes, as pessoas não verão. Elas podem ver a luz, sentir o calor, mas não conseguirão distinguir sua origem. Por isso, pode passar despercebido em nosso dia a dia. Porém, ele é extremamente valioso para o nosso crescimento espiritual. E, para esclarecer isso, gostaríamos de compartilhar três textos bíblicos que nos ajudarão nessa meditação:
O primeiro está em Salmos, capítulo 24, verso 3
Quem subirá ao monte do Senhor? Quem há de permanecer no seu santo lugar? O que é limpo de mãos e puro de coração, que não entrega a sua alma à falsidade, nem jura dolosamente.
Repare que o salmista fala de duas condições: subir e permanecer. Aqui temos um ponto-chave para avançarmos.
Muitas vezes, promovemos eventos — não necessariamente físicos, mas situações programadas, com começo, meio e fim — que nos permitem subir o monte. São jejuns, propósitos de oração, períodos que nos conduzem a experiências profundas. E não estou dizendo que esses momentos são ruins — mas preciso destacar que são incompletos. É necessário subir, mas também permanecer. E esse segundo ponto não tem fim. Aí mora o grande desafio, que nos conecta ao próximo texto:
Os pecadores em Sião se assombram, o tremor se apodera dos ímpios; e eles perguntam: Quem dentre nós habitará com o fogo devorador? Quem dentre nós habitará com chamas eternas? O que anda em justiça e fala o que é reto; o que despreza o ganho de opressão; o que, com um gesto de mãos, recusa aceitar suborno; o que tapa os ouvidos, para não ouvir falar de homicídios, e fecha os olhos, para não ver o mal, este habitará nas alturas; as fortalezas das rochas serão o seu alto refúgio, o seu pão lhe será dado, as suas águas serão certas. Os teus olhos verão o rei na sua formosura, verão a terra que se estende até longe.
O profeta aqui descreve, de forma ainda mais detalhada, as características de quem permanece no topo do monte, em meio ao fogo devorador — o que nos leva ao último texto:
Porventura, não é este o jejum que escolhi: que soltes as ligaduras da impiedade, desfaças as ataduras da servidão, deixes livres os oprimidos e despedaces todo jugo? Porventura, não é também que repartas o teu pão com o faminto, e recolhas em casa os pobres desabrigados, e, se vires o nu, o cubras, e não te escondas do teu semelhante? Então, romperá a tua luz como a alva, a tua cura brotará sem detença, a tua justiça irá adiante de ti, e a glória do Senhor será a tua retaguarda;
A luz da manhã — ou “da alva”, como no texto — é uma luz diferente. O nascer do sol geralmente é mais amarelado, pois está lutando contra a escuridão da noite. São ações que produzem brilho, ainda que não tão intenso, mas em crescimento. E aqui há um segredo: muitas vezes medimos nosso crescimento espiritual — e até o de outras pessoas — com base nesses atos visíveis, como se fossem o ápice da vida cristã. Porém, a mensagem do Senhor continua no verso 9:
Aí sim, você clamará ao Senhor, e ele responderá; você gritará por socorro, e ele dirá: Aqui estou. "Se você eliminar do seu meio o jugo opressor, o dedo acusador e a falsidade do falar; se com renúncia própria você beneficiar os famintos e satisfizer o anseio dos aflitos, então a sua luz despontará nas trevas, e a sua noite será como o meio-dia.
Repare que o Senhor fala de eliminar algo cuja origem está no coração: o jugo, a acusação, a falsidade. A direção é arrancar essas coisas de dentro — purificação. É quando a sua luta não é mais exterior, mas interior, onde só o Senhor vê.
Você não luta mais para deixar de assistir a um filme pornográfico ou largar uma droga. Sua batalha passa a ser por ter o coração de Jesus. Você deseja ver o que Ele vê. Seu esforço passa a ser não julgar, mas amar para salvar. Ser verdadeiro no falar. Deixar de agradar para ser aceito, ou de querer impor sua verdade para “estar certo”. Em vez disso, você fala a verdade com amor, visando edificação, encorajamento, exortação.
É ser como a viúva pobre, que não deu o que sobrava — mas deu tudo. Com renúncia própria. E, nesse ponto, só Ele sabe o que é renúncia para você, pois isso não está ligado ao valor exterior, mas ao interior.
É nessa hora, quando o combustível interior entra em contato com a presença de Deus — o oxigênio da nossa combustão — que a luz maior brilha: o sol do meio-dia, queimando tudo por dentro. E, muitas vezes, ninguém de fora está vendo. Mas Ele está.
Você habita no meio do fogo devorador porque, na verdade, o fogo habita em você. Com Ele, somos um. E esse é o Reino que está dentro de nós — o fogo do candeeiro que ilumina toda a casa: Cristo em nós, a esperança da glória!